12 de setembro de 2009

2 de setembro de 2009

isto aconteceu comigo

Detesto a palavra celulite, anti-celulítico e todas as que de alguma forma possam estar relacionadas com esses abomináveis nódulos de gordura tinhosa que se acumulam nas coxas e nádegas obrigando-me a viver sob o jugo das dezenas de novidades em cremes, chás e afins que irrompem todos os anos no início da primavera pelas páginas das revistas femininas cheias de beldades exibindo uma pele diáfana e lisa. Sempre que me dirijo a uma perfumaria ou farmácia para pedir um destes produtos, sinto-me como protagonista de uma transacção ilícita, olhando em volta e pronunciando a palavra desagradável num tom de voz consideravelmente abaixo do normal para me certificar de que ninguém à minha volta ouve. O problema é que a própria funcionária que me atende acaba por não entender obrigando-me a repetir, o que se torna ainda mais doloroso. Na última vez que me dirigi à farmácia para comprar uma novidade sob a forma de cápsulas que tinha visto numa revista, ainda antes de estar grávida, aproximei-me do balcão, baixei a cabeça e balbuciei:
- Gostaria de saber se tem, hum, as novas cápsulas innéov para urgh celulite?
- Desculpe, as cápsulas innéov para? – indagou a funcionária franzindo a cara e falando mais alto do que o socialmente correcto, incentivando-me a subir o tom de voz.
- Para a celulite – ripostei, mantendo o tom de voz mas pronunciando vagarosamente e acompanhando com elaborados movimentos labiais. Será que as funcionárias das farmácias e perfumarias não podiam simplesmente ler nos lábios? Ou quem sabe, criar um código gestual para impedir que se pronunciassem palavras como celulite em voz alta?
- Ah! Para a celulite – exclamou em voz exageradamente alta a funcionária. Senti o rosto enrubescer e num movimento fluido fiz os óculos de sol que me seguravam o cabelo descerem para me cobrir o olhar lancinante que dirigia à dita funcionária que por essa altura já estava praticamente a gritar para a colega no outro lado da farmácia:
- Oh Andreia? Já temos o innéov para a celulite?
- Para quê?
- Para a CE-LU-LI-TE!
Pronto, se ouvisse a palavra celulite outra vez era capaz de vomitar. No entanto, Andreia e a colega continuavam alegremente a conversa com a mesma naturalidade com que falariam de uma enxaqueca ou de uma gripe. Na verdade, habituadas a desempenhar as funções de farmacêuticas, estão completamente alheias ao embaraço que representa para os comuns mortais ir até uma farmácia e pedir determinados produtos como pomadas para as hemorróidas, preservativos, laxantes, anti-diarreicos ou, no meu caso, anti-celulíticos. Enquanto Andreia confirmava que as ditas cápsulas ainda não tinham chegado, uma outra funcionária vinda do interior da farmácia aproximou-se dizendo com ar de interessada: - Para a celulite, também quero!
Olhei à minha volta, a farmácia tinha algumas pessoas que para mim representavam uma multidão de desconhecidos que neste momento estavam a par do meu drama. Uma recém-mamã, acompanhada pelo marido que segurava o ovinho da chicco com o bebé lançou-me um olhar indulgente, compadecendo-se com o meu problema. Então, a primeira funcionária que me atendeu verificou no computador e informou que de facto ainda não tinham o produto, que afinal não era cápsulas mas sim carteiras, e prontificou-se a ligar para o fornecedor para saber se a entrega estava para breve. Claro, que toda a gente que estava na farmácia mais as pessoas que entretanto iam entrando conseguiam ouvir o telefonema: - Olhe, era para saber se já nos foi enviado o innéov carteiras para a celulite? Ainda não? Obrigada!. Seguiu-se novo telefonema para o armazém sendo pronunciada mais algumas vezes a palavra celulite e sendo eu a pessoa que estava ao balcão, todos os que acabavam de entrar e que ainda não estavam familiarizados com aquela cena percebiam rapidamente que as carteiras para a celulite eram para mim. – Ainda não está no armazém, por isso é uma questão de ir passando por cá para ver se já chegou! - comunicou a simpática funcionária tão empenhada em ajudar-me. Fiquei estarrecida perante a possibilidade de repetição daquela cena agonizante e não voltei.
Agora que deixei de amamentar, posso voltar a usar este tipo de produtos. No entanto, não sei se vou comprar algum pois o verão é sempre uma época pródiga no aparecimento de novidades nesta área e os frascos milagrosos proliferam a uma velocidade tal nas prateleiras das perfumarias que é difícil saber qual escolher. Mas se decidir comprar algum, acho que vou passar na parafarmácia do shopping onde os ditos cremes, carteiras, cápsulas ou seja lá o que for, estão expostos numa prateleira e só tenho de lhes pegar e dirigir-me à caixa para pagar.