Detesto a palavra celulite, anti-celulítico e todas as que de alguma forma possam estar relacionadas com esses abomináveis nódulos de gordura tinhosa que se acumulam nas coxas e nádegas obrigando-me a viver sob o jugo das dezenas de novidades em cremes, chás e afins que irrompem todos os anos no início da primavera pelas páginas das revistas femininas cheias de beldades exibindo uma pele diáfana e lisa. Sempre que me dirijo a uma perfumaria ou farmácia para pedir um destes produtos, sinto-me como protagonista de uma transacção ilícita, olhando em volta e pronunciando a palavra desagradável num tom de voz consideravelmente abaixo do normal para me certificar de que ninguém à minha volta ouve. O problema é que a própria funcionária que me atende acaba por não entender obrigando-me a repetir, o que se torna ainda mais doloroso. Na última vez que me dirigi à farmácia para comprar uma novidade sob a forma de cápsulas que tinha visto numa revista, ainda antes de estar grávida, aproximei-me do balcão, baixei a cabeça e balbuciei:
- Gostaria de saber se tem, hum, as novas cápsulas innéov para urgh celulite?
- Desculpe, as cápsulas innéov para? – indagou a funcionária franzindo a cara e falando mais alto do que o socialmente correcto, incentivando-me a subir o tom de voz.
- Para a celulite – ripostei, mantendo o tom de voz mas pronunciando vagarosamente e acompanhando com elaborados movimentos labiais. Será que as funcionárias das farmácias e perfumarias não podiam simplesmente ler nos lábios? Ou quem sabe, criar um código gestual para impedir que se pronunciassem palavras como celulite em voz alta?
- Ah! Para a celulite – exclamou em voz exageradamente alta a funcionária. Senti o rosto enrubescer e num movimento fluido fiz os óculos de sol que me seguravam o cabelo descerem para me cobrir o olhar lancinante que dirigia à dita funcionária que por essa altura já estava praticamente a gritar para a colega no outro lado da farmácia:
- Oh Andreia? Já temos o innéov para a celulite?
- Para quê?
- Para a CE-LU-LI-TE!
Pronto, se ouvisse a palavra celulite outra vez era capaz de vomitar. No entanto, Andreia e a colega continuavam alegremente a conversa com a mesma naturalidade com que falariam de uma enxaqueca ou de uma gripe. Na verdade, habituadas a desempenhar as funções de farmacêuticas, estão completamente alheias ao embaraço que representa para os comuns mortais ir até uma farmácia e pedir determinados produtos como pomadas para as hemorróidas, preservativos, laxantes, anti-diarreicos ou, no meu caso, anti-celulíticos. Enquanto Andreia confirmava que as ditas cápsulas ainda não tinham chegado, uma outra funcionária vinda do interior da farmácia aproximou-se dizendo com ar de interessada: - Para a celulite, também quero!
Olhei à minha volta, a farmácia tinha algumas pessoas que para mim representavam uma multidão de desconhecidos que neste momento estavam a par do meu drama. Uma recém-mamã, acompanhada pelo marido que segurava o ovinho da chicco com o bebé lançou-me um olhar indulgente, compadecendo-se com o meu problema. Então, a primeira funcionária que me atendeu verificou no computador e informou que de facto ainda não tinham o produto, que afinal não era cápsulas mas sim carteiras, e prontificou-se a ligar para o fornecedor para saber se a entrega estava para breve. Claro, que toda a gente que estava na farmácia mais as pessoas que entretanto iam entrando conseguiam ouvir o telefonema: - Olhe, era para saber se já nos foi enviado o innéov carteiras para a celulite? Ainda não? Obrigada!. Seguiu-se novo telefonema para o armazém sendo pronunciada mais algumas vezes a palavra celulite e sendo eu a pessoa que estava ao balcão, todos os que acabavam de entrar e que ainda não estavam familiarizados com aquela cena percebiam rapidamente que as carteiras para a celulite eram para mim. – Ainda não está no armazém, por isso é uma questão de ir passando por cá para ver se já chegou! - comunicou a simpática funcionária tão empenhada em ajudar-me. Fiquei estarrecida perante a possibilidade de repetição daquela cena agonizante e não voltei.
Agora que deixei de amamentar, posso voltar a usar este tipo de produtos. No entanto, não sei se vou comprar algum pois o verão é sempre uma época pródiga no aparecimento de novidades nesta área e os frascos milagrosos proliferam a uma velocidade tal nas prateleiras das perfumarias que é difícil saber qual escolher. Mas se decidir comprar algum, acho que vou passar na parafarmácia do shopping onde os ditos cremes, carteiras, cápsulas ou seja lá o que for, estão expostos numa prateleira e só tenho de lhes pegar e dirigir-me à caixa para pagar.
Mostrar mensagens com a etiqueta as coisas que uma pessoa tem de ouvir. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta as coisas que uma pessoa tem de ouvir. Mostrar todas as mensagens
2 de setembro de 2009
17 de agosto de 2009
era uma vez...
... uma menina a quem os pais ensinaram que devia beber muito leitinho para crescer forte e saudável. A menina cresceu e foi para a escola. Lá aprendeu que o leite é rico em cálcio e que ajuda a ter dentes e ossos fortes. A menina cresceu ainda mais e os médicos disseram-lhe para beber pelo menos três copos de leite por dia para prevenir a osteoporose. A menina continuou a crescer e a beber leitinho. Até que um dia acordou para a vida e descobriu que afinal o leite de vaca é bom é para os bezerros.
Etiquetas:
as coisas que uma pessoa tem de ouvir
7 de agosto de 2009
opiniões de peso - parte II
Já aqui falei sobre as pessoas que, completamente alheias ao facto de termos espelhos em casa e um guarda-roupa cheio de coisas que não nos cabem nem nas orelhas, não param de nos confrontar com a óbvia constatação de que estamos mais gordas. Mas verdade seja dita e justiça seja feita, essas mesmas pessoas também são capazes de nos elogiar quando emagrecemos. Não, não é um elogio encorajador quando começamos a perder peso, que pequenos progressos não são meritórios de reforço. Nem tão pouco é um elogio que nos encha o ego ou faça disparar a auto-estima, salientando que estamos com melhor aspecto ou mais bonitas ou qualquer outra coisa do género. É sim, um elogio em tom de alerta: “Agora já chega, que mais magra também é demais!”. Digam lá então se estas pessoas não são uns amores, a dizer que não só conseguimos emagrecer como já estamos em risco de sofrer de algum distúrbio alimentar. É isso ou então, como diria o meu primo Valter, pedem a Deus que não podendo fazer delas magras, faça com que todas as outras sejam gordas.
Etiquetas:
as coisas que uma pessoa tem de ouvir
8 de junho de 2009
opiniões de peso
Não, não são opiniões importantes ou opiniões emitidas por pessoas importantes. Dizem respeito isso sim, à irreprimível necessidade que a generalidade das pessoas têm para emitir comentários acerca do peso alheio. “Olá, tudo bem? Estás mais gorda!”, ou “Olá, tudo bem? Estás mais magra!” são frases repetidas vezes sem conta, mais pelas mulheres, mais a primeira do que a segunda e mais por pessoas mais gordas do que magras porque “o mal dos outros a todos consola”. Mas se acham que o peso é já tema recorrente das conversas de circunstância esperem só até ficarem grávidas e terem um bébé. É extraordinária a quantidade de pessoas que, temendo que eu não tenha espelhos em casa ou seja desconhecedora de um objecto tão vulgarmente utilizado como é a balança, faz questão de me recordar que estou mais gorda. E não me refiro a pessoas amigas ou familiares, refiro-me a pessoas que antes só me diziam bom dia ou boa tarde. Pessoas cujo Indice de Massa Corporal roça muitas vezes o limite da obesidade e que, pelos vistos se sentem melhor quando pensam que afinal não são as únicas com peso a mais, apesar de eu continuar com um IMC dentro dos limites da normalidade mesmo com os quilos que tenho a mais. Pessoas que não tiveram um bebé há quatro meses mas sim há muitos anos atrás e pelos vistos ainda não recuperaram. Coloca-se então a questão: será que o que as incomoda é serem gordas ou que as outras sejam magras?
Etiquetas:
as coisas que uma pessoa tem de ouvir
Subscrever:
Comentários (Atom)