30 de outubro de 2009

negação



Quando há cerca de quatro anos resolvi fazer um jardim muni-me das ferramentas e materiais necessários, entenda-se vasos, vasinhos, enxadas, sachos, contornos de passeio em madeira, regadores, adubo e terra, entre outros. Comprei livros sobre bolbos, perenes, plantas de vaso, aprendi o nome de uma infinidade de plantas, qual a altura certa para plantar cada espécie e que cuidados deveria ter para que as minhas flores crescessem bonitas e saudáveis. Posto isto deitei mãos à obra e, literalmente, desbravei terreno por entre ervas daninhas, pedras e desnivelamentos de terreno. Na minha cabeça idealizei o pequeno jardim que queria ter e para isso trabalhava todos os fins-de-semana. Assim que alcançasse o meu objectivo e todo o canteiro florisse teria zonas de bolbos a florescer por entre as heras, begónias, petúnias e malmequeres e até teria um canteiro de cactos decorado com casca de pinheiro, pedras e areia. No entanto, as adversidades não se fizeram esperar e rapidamente percebi que a luta contra as ervas daninhas era inglória. Quando eu chegava a uma ponta do canteiro, na árdua tarefa de as tentar exterminar, já elas rompiam na extremidade àquela onde eu tinha começado. Também percebi que o canteiro que idealizara, à semelhança dos que via em livros e revistas de jardinagem, não era facilmente exequível e assim, algumas plantas foram transferidas para vasos dando lugar a variedades mais resistentes. Depois ainda havia a geada no inverno e o tórrido verão alentejano que contribuíam para atrasar a concretização do meu projecto. Mas nada disto me deteve pois ao invés de ver dificuldades, ervas daninhas e plantas que não resistiam às intempéries, eu olhava para o meu modesto canteiro ainda tão pobre, e via o canteiro que eu idealizara. Não raras vezes aconteceu, eu chamar a minha madrinha, “especialista” em flores e dona de um jardim bem apetrechado e vistoso, para que visse as novidades que eu adquirira e plantara, e ela, com um ar perdido e contrastante com o meu entusiasmo, apenas as avistava quando eu lhas apontava. Na verdade, embora olhando para o mesmo canteiro não estávamos a ver a mesma coisa. Ela via as flores, ervas daninhas e espaços vazios que efectivamente lá estavam. O canteiro tal como ele se apresentava naquele momento. E eu, via o canteiro em que ele se tornaria. Via as flores como elas seriam e a beleza que ele ainda não tinha mas que eu acreditava que estaria lá ao fim de algum tempo.
No outro dia, observava eu o canteiro abandonado há meses (não que eu tivesse desistido ou me tivesse dado por vencida, mas porque o nascimento da Bárbara me afastou de facto do jardim), e realizava que aquele cenário que considero agora de devastação, afinal não é assim tão diferente daquilo que o jardim sempre foi. Eu é que, pela primeira vez, o estou ver tal como ele é. E isto leva-me a pensar quantas vezes não nos comportamos assim relativamente a tantas outras coisas, por vezes até bem mais importantes, nas nossas vidas e ao invés de vermos a realidade que se depara perante os nossos olhos, vemos aquilo que queremos ver. Aquilo que queríamos que fosse a realidade…

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